Por mais que a palavra Metaverso tenha se popularizado apenas muito recentemente, o termo foi cunhado há trinta anos atrás por Neal Stephenson, em seu romance de ficção científica, Snow Crash.
No entanto, ainda que o ano de 1992 seja crucial para rastrearmos a genealogia dessa buzzword, existem fragmentos do metaverso, o que chamamos de protometaversos, esses, ainda arcaicos, muito anteriores ao nascimento de Hiro, o hacker e entregador de pizzas (com sonhos de samurai imperial) que protagoniza a trama Stephenson.
Vasculhar o passado em busca das origens desse conceito tão determinante para a contemporaneidade é a principal motivação deste artigo.
Historicamente, é impossível apartar a criação do conceito de metaverso do contexto dos jogos eletrônicos, das narrativas de ficção científica, dos dispositivos tecnológicos de imersão e, enfim, da própria concepção da internet. Por isso, para que possamos contar essa história – mesmo que com a inevitável brevidade já citada no título – devemos, antes de tudo, analisar as linhas temporais desses quatro vetores complementares.
A internet foi criada nos EUA, para fins militares, no ano de 1969, auge da guerra fria, com o nome de ARPAnet. Filiada a esse contexto paranóico de guerra iminente, ela era usada especificamente para transmitir dados militares sigilosos e interligava departamentos de pesquisa por todo o país.
Anos depois, nas décadas de 70 e 80, a base tecnológica da ARPAnet foi apropriada para comunicações do meio acadêmico e, posteriormente, em 1989, sob o comando do físico britânico e cientista da computação, Tim Berners-Lee, tornou-se a World Wide Web que tão bem conhecemos.
A internet permitiu que pessoas do mundo inteiro se relacionassem de uma forma completamente nova, revolucionando irrefreavelmente os meios de comunicação e o nosso modo de interagir, criar, comprar, viver.
Os primeiros mundos virtuais de que temos notícia, por exemplo, foram criados ainda na primeira aurora da internet, em 1978, através dos jogo eletrônicos conhecidos como MUD1(Multi-User Dungeon) ou MAD (Multi-Acess Dungeon). Apesar de sua interface resumida apenas a texto, esse antepassado distante dos RPGs multiplayer já contemplava a premissa dos jogadores interpretarem personagens em um cenário dramatúrgico fictício, interagindo com respostas a questões objetivas e selecionando opções para progredir na história do jogo..
Se avançarmos no tempo, ingressando nos anos 2000, poderíamos citar exemplos de metaversos que sobrevivem até hoje como Tíbia, Second Life e Habbo, cada qual com suas características e peculiaridades, mas, sobretudo, representando à sua maneira a ideia de mundos virtuais. No correr das primeiras décadas de 2000, o desenvolvimento de jogos mais avançados com características de mundo aberto, no gênero sandbox, online ou não, foi se tornando um paradigma de mercado cada vez mais comum.
Em simultâneo, variações sobre a temática dos mundos virtuais tornaram-se frequentes em diversas formas de expressão cultural. Na seara audiovisual, o metaverso tomou forma – representado com cores utópicas ou distópicas – em filmes como Matrix, Tron, Ready Player One e o episódio de Black Mirror, San Junipero. Na literatura, livros como Neuromancer, Daemon, Jogador Número 1 e mais uma dezena de outros somam-se ao conto, Pygmalion’s Spectacles, de 1930, escrito por Stanley G. Weinbaum, que descreve um par de óculos capazes de criar sensações olfativas, táteis e visuais em um mundo virtual.
Iniciativas tecnológicas como as experiências GLOWFLOW, METAPLAY e PSYCHIC SPACE, do cientista Myron Kruegere, bem como o Head Set de VR chamado de Sword of Damocles, de 1968, e o ainda mais antigo Stereoscope, de 1939, constituem tentativas de propiciar experiências imersivas tais quais as hoje propiciadas pelos Oculus e Hololens. Se você nunca viu as antigas fotos desses dispositivos, vale a pena – nem que seja só por divertimento – dar uma olhada.
Em meados da segunda década do século XXI, há de se destacar um incontestável plot point nessa timeline evolutiva: o surgimento dos primeiros jogos atrelados à tecnologias baseadas em blockchain e o conceito de propriedade digital materializado pelos NFTs. A mecânica financeira dos tokens fez com que novas possibilidades – antes tecnologicamente inviabilizadas – fossem incluídas dentre as ferramentas de desenvolvimento de publishers de games do mundo todo e viabilizaram o surgimento de The Sandbox, Decentraland, dentre muitos outros metaversos e NFT games.
Diante de uma nomenclatura ampla e uma definição ainda pouco precisa, hoje, não se pode afirmar tecnicamente que um metaverso precisa necessariamente estar atrelado à infraestruturas derivadas da blockchain. Horizon Worlds, desenvolvido pela Meta, e o corporativo, Mesh, da Microsoft, são boas amostras dessa elasticidade do significado do termo.
Porém, conjecturando um cenário futuro e tratando o Metaverso como uma interface de relacionamento global, com itens digitais intercambiáveis, trocas de valor contínuas, conectividade imersiva, a arquitetura de rede da blockchain parece-nos indispensável para a implementação de uma experiência de uso mais completa, fruitiva e segura.
Exercitando um viés mais filosófico, talvez pudéssemos descrever um metaverso como um reflexo da nossa vida real numa dimensão virtual; ou, ainda divagando, como um universo expansivo de infinitas possibilidades que, em última instância, excede até o próprio conceito de tecnologia tal como conhecemos; de forma mais tangível e menos delirante, seria razoável representá-lo como um conjunto de tecnologias que proporcionam uma experiência imersiva, conectando pessoas do mundo todo e viabilizando a livre troca de valores entre as partes.
Enfim, os dicionários ainda não estão preparados para um único verbete que, de fato, sintetize o potencial disruptivo do Metaverso, e o significado real dos impactos e das possibilidades trazidas por ambientes virtuais e mundos digitais imersivos, interconectados e personalizáveis nas mais variadas dimensões de nossas vidas cotidianas.
Sejam governamentais, como as iniciativas da Catalunha, Emirados Árabes e China, que consideram a substituição da economia tradicional pela da Web3, ou privadas, a partir de grandes marcas globais, o Metaverso que irá conjugar todas essas novas tecnologias e abarcar o maior número de usuários continua sendo uma absoluta incógnita mesmo para os mais atentos observadores. E esse enigma, feito uma nevasca fina (like a snowcrash), que continuará ainda a pairar sobre nossas cabeças por um bom tempo.